Das lembranças que tenho da minha
infância, constato que eu era um menino levado. Sempre fui viciado em música. Cantava,
dançava e brincava como todo menino da minha idade, talvez até um pouco mais.
Minhas peraltices chamavam atenção, dignas que eram da correção paterna, e das medidas
disciplinares do colégio. O curioso é que as professoras mantinham por mim uma
dualidade de sentimentos. É, isso porque eu era ao mesmo tempo afetuoso e malcriado,
gentil e atrevido. Mas não o era por mal, era apenas meu jeito mais verdadeiro
de ser.
Minhas primas mais velhas tinham
essa mesma dualidade sentida pelas professoras. Elas tinham raiva de mim pela
minha inquietação e zombaria, mas também gostavam do primo arteiro. Mas
adoravam mesmo, quando a brincadeira era “luta”, pois só assim conseguiam a vingança,
me dando uma surra, sem que eu desgostasse dos safanões e caísse no choro. Enfim,
sempre fui um extremista no que fazia e nos sentimentos que gerava nas outras
pessoas.
Eu participava de todas as ações
artísticas do colégio. Era o papai Noel do fim de ano; o carteiro na peça; o
cantor na gincana; o coelho da páscoa junto com os amigos. Era notório que eu
amava a criatividade da arte em todas as suas vertentes. Mas em um determinado
momento, comecei a deixar de lado tudo o que me encantava e deixando a timidez
produzir raízes em mim. Isso acontece com muita gente, eu sei.
Acho que comecei, a mudar depois
que mudei de colégio. Os colegas novos, e o novo e estranho ambiente, (a nova percepção
da vida que me cercava era outra, sem dúvidas) só acentuaram
essa mudança. Tinha eu onze anos e fui definhando vagarosamente até me tornar definitivamente
“normal”. Já não continha a avidez de um peralta, nem a falta de vergonha de um
bufão. Passava anônimo pelas outras crianças e depois pelos adolescentes da
minha idade. Só os mais próximos podiam vislumbrar ainda, os resquícios do
menino que fui, e mesmo assim, era de forma breve e tímida. O menino que
dançava junto com a banda de pífanos que fazia apresentação no colégio; que
imitava o Sidney Magal no teatro; que dançava forró com uma linda parceira num
programa de televisão local, dentre outras coisas. Aquele menino morreu para
sempre em mim quando fiz onze anos. A timidez foi matando tudo que fui, e me
tornando uma pessoa menos interessante, mais “comum”. Uma pessoa normal.
Sei que muitos pensam: Mas não é
bom ser normal? Explico: No meu ponto de vista, o normal deveria ser o
singular, o diferente, isso porque somos todos diferentes, mas vivemos seguindo
padrões de felicidade impostos pela nossa sociedade, tão pouco sábia, talvez muito
menos do que nosso “eu” interior. Somos criados para seguirmos padrões, e, esses
padrões, muitas vezes matam o que existe de mais verdadeiro em nós. Todos temos um caminho traçado pelo nosso ímpeto
mais primário, é ele que define nossos anseios, antes mesmo do nascimento dos
sonhos. Esse impulso é quase orgânico, (se não o for) e por ser tão cru, na
maioria das vezes o perdemos em algum lugar da nossa transformação, de criança
para adolescente, de adolescente para adulto. Quando identificamos um adulto
plenamente feliz em sua vida, com certeza ele segue sua vocação primeira, seu
próprio impulso inicial, aquele que vem na sua alma. Não estou falando de
profissão, estou falando de conduta na vida por completo. Acho que as pessoas
vivem infelizes ou não tão felizes, porque são escravas de uma vida imposta
pela maquina social, que devora homens e mulheres e apaga uma por uma, a luz criada por DEUS, em
cada um de nós, luz essa que define a nossa mais profunda e verdadeira
convicção de felicidade.
Hoje sei identificar o período
que deixei morrer em mim a criança que me fazia feliz, e luto todo dia para
ressuscitá-la. Ela se mostra tímida e acuada, pois muito tempo se passou, e ao
contrário do que eu pensava, ela não morreu para sempre, pois como diz o poeta "o pra sempre sempre acaba", mas está tão distante de mim, que
todo dia tento dar um ou dois passos ao seu encontro, pois sei que minha
felicidade está com ela, minha felicidade está em me tornar a criança que um dia fui.
Hoje pelo menos sei onde ela está, e vou aonde eu deva ir nessa busca, nem que
dure o resto dos meus dias, pois todos nós buscamos a felicidade, enfim.
Daniel Porto