domingo, 21 de abril de 2013

Minha Criança Perdida







Das lembranças que tenho da minha infância, constato que eu era um menino levado. Sempre fui viciado em música. Cantava, dançava e brincava como todo menino da minha idade, talvez até um pouco mais. Minhas peraltices chamavam atenção, dignas que eram da correção paterna, e das medidas disciplinares do colégio. O curioso é que as professoras mantinham por mim uma dualidade de sentimentos. É, isso porque eu era ao mesmo tempo afetuoso e malcriado, gentil e atrevido. Mas não o era por mal, era apenas meu jeito mais verdadeiro de ser.

Minhas primas mais velhas tinham essa mesma dualidade sentida pelas professoras. Elas tinham raiva de mim pela minha inquietação e zombaria, mas também gostavam do primo arteiro. Mas adoravam mesmo, quando a brincadeira era “luta”, pois só assim conseguiam a vingança, me dando uma surra, sem que eu desgostasse dos safanões e caísse no choro. Enfim, sempre fui um extremista no que fazia e nos sentimentos que gerava nas outras pessoas.

Eu participava de todas as ações artísticas do colégio. Era o papai Noel do fim de ano; o carteiro na peça; o cantor na gincana; o coelho da páscoa junto com os amigos. Era notório que eu amava a criatividade da arte em todas as suas vertentes. Mas em um determinado momento, comecei a deixar de lado tudo o que me encantava e deixando a timidez produzir raízes em mim. Isso acontece com muita gente, eu sei.
Acho que comecei, a mudar depois que mudei de colégio. Os colegas novos, e o novo e estranho ambiente, (a nova percepção da vida que me cercava era outra, sem dúvidas)  só acentuaram essa mudança. Tinha eu onze anos e fui definhando vagarosamente até me tornar definitivamente “normal”. Já não continha a avidez de um peralta, nem a falta de vergonha de um bufão. Passava anônimo pelas outras crianças e depois pelos adolescentes da minha idade. Só os mais próximos podiam vislumbrar ainda, os resquícios do menino que fui, e mesmo assim, era de forma breve e tímida. O menino que dançava junto com a banda de pífanos que fazia apresentação no colégio; que imitava o Sidney Magal no teatro; que dançava forró com uma linda parceira num programa de televisão local, dentre outras coisas. Aquele menino morreu para sempre em mim quando fiz onze anos. A timidez foi matando tudo que fui, e me tornando uma pessoa menos interessante, mais “comum”. Uma pessoa normal.

Sei que muitos pensam: Mas não é bom ser normal? Explico: No meu ponto de vista, o normal deveria ser o singular, o diferente, isso porque somos todos diferentes, mas vivemos seguindo padrões de felicidade impostos pela nossa sociedade, tão pouco sábia, talvez muito menos do que nosso “eu” interior. Somos criados para seguirmos padrões, e, esses padrões, muitas vezes matam o que existe de mais verdadeiro em nós. Todos  temos um caminho traçado pelo nosso ímpeto mais primário, é ele que define nossos anseios, antes mesmo do nascimento dos sonhos. Esse impulso é quase orgânico, (se não o for) e por ser tão cru, na maioria das vezes o perdemos em algum lugar da nossa transformação, de criança para adolescente, de adolescente para adulto. Quando identificamos um adulto plenamente feliz em sua vida, com certeza ele segue sua vocação primeira, seu próprio impulso inicial, aquele que vem na sua alma. Não estou falando de profissão, estou falando de conduta na vida por completo. Acho que as pessoas vivem infelizes ou não tão felizes, porque são escravas de uma vida imposta pela maquina social, que devora homens e mulheres e  apaga uma por uma, a luz criada por DEUS, em cada um de nós, luz essa que define a nossa mais profunda e verdadeira convicção de felicidade.

Hoje sei identificar o período que deixei morrer em mim a criança que me fazia feliz, e luto todo dia para ressuscitá-la. Ela se mostra tímida e acuada, pois muito tempo se passou, e ao contrário do que eu pensava, ela não morreu para sempre, pois como diz o poeta "o pra sempre sempre acaba", mas está tão distante de mim, que todo dia tento dar um ou dois passos ao seu encontro, pois sei que minha felicidade está com ela, minha felicidade está em me tornar a criança que um dia fui. Hoje pelo menos sei onde ela está, e vou aonde eu deva ir nessa busca, nem que dure o resto dos meus dias, pois todos nós buscamos a felicidade, enfim.

Daniel Porto