Cheguei ao bar e escolhi a mesa
de sempre, olhando para “o mar batendo nas pedras”. Cumprimentei o garçom que é um amigo de anos, pedi uma tônica, uma dose de rum e um petisco, e passei uns
minutos colocando a fofoca em dia com ele. Depois, abri um livro que comprara
no dia anterior junto doutros, e comecei a folheá-lo despretensiosamente
enquanto esperava um amigo que marcara comigo para minutos depois, mas ele
ligou pedindo desculpas, pois não poderia vir devido ao trabalho. Claro que não
me chateei, e me detive ao início da leitura finalmente.
O final daquela tarde estava lindo, o
sol se despedindo vigoroso; uma escuna pincelava o mar, marcando um passeio já
tradicional àquela hora; os copistas passavam apressados, uns engraçados no
modo de andar, outros enganando a si mesmos no passo lento que não queima nem a
sola do tênis, imagine calorias; um homem com uma caixa de vender bombons,
cigarros e demais “coisitas” pára e
se senta no banco do calçadão, a organizar, com uma calma franciscana, aquele seu
balcão ambulante, como se fosse a vitrine de uma grande loja, sempre a falar
sozinho; um cachorro magro passa sossegado, como quem desfila numa passarela;
um cliente do bar, já embriagado com quase uma garrafa de uísque, esbraveja ao
celular com uma mulher, fazendo ameaças sobre o final do relacionamento dos
dois, ora se levantando da cadeira, ora baixando o tom de voz, como se buscasse o amor
daquela mulher, que pelo visto, queria abandoná-lo. E eu ali, lendo e observando
o mundo daquele universo da Praia de Iracema, naquele final de tarde de
sexta-feira.
O livro me surpreendeu. Pequenas
crônicas suaves e saborosas. Combinavam com aquele clima bucólico de final de
tarde, mas por um momento, me dei conta que estava fazendo parte daquele quadro
de histórias paralelas ali, na P.I.(Praia de Iracema). Visto de longe, outro observador poderia
concluir minha narrativa dizendo: e aquele homem sentado com um livro na mão,
observava o mundo ao seu redor...
A vida é muito interessante
quando paramos para observá-la, somos capazes de vislumbrar a realidade de cada
ser vivo que passa por nós, as suas metas, os seus medos, os seus recalques e
neuras; quando está feliz, ansioso, apreensivo. Até os pássaros se revelam
diante da nossa concentração e observação. Parece que quando olhamos o mundo com tempo
para olhar, ele verdadeiramente se mostra, sem nuances, sem aparências. Mas o
celular toca e é meu sócio falando sobre um processo a ser sanado no
escritório. Dou algumas orientações, comento outras coisas de outros assuntos
de trabalho, e desligo – pronto, já estou fora daquela sintonia de observação
de poucos minutos dantes – parece que o mundo se escondeu novamente de mim,
apenas me incluindo como uma peça sua, a fazer parte de todo o sistema mundano.
Estamos todos interligados, toda
a humanidade perfaz um tênue e irrompível fio, que comunga com a natureza e
tudo mais que existe na face da terra. Por poucos segundos de uma breve observação,
estive com meus olhos abertos para esse mundo que vivemos e não percebemos.
Poderia até sentir a angustia da humanidade, o sofrimento da natureza, a
hecatombe de transformações que estamos vivendo, poderia ver tudo, todos, como
se DEUS de forma fulgaz, efêmera, me emprestasse seus óculos. Mas agora aqui
estou eu novamente, mergulhado na vida, neste mundo, mergulhado em mim.