domingo, 23 de março de 2014

VIVER

Certo dia conversando com um amigo, ele me falou de um parente seu que estava completando 96 anos de idade. Eu comentei como era felizarda uma pessoa assim, com saúde e lúcida com tanto tempo de vida, e perguntei o que o aniversariante achava desta data. Para minha surpresa, meu amigo revelou que ele disse ser terrível, pois a cada dia que passava, sabia que estava perto o dia da partida, o dia em que deixaria de viver, pois muito tempo já tinha vivido, e agora velho e cansado, lhe restava apenas esperar a hora da morte, pois não esperava mais nada deste mundo.
Confesso que não tive opinião sobre o que disse o velho homem, e fiquei me indagando onde estaria à verdade disso tudo. Será que sua angústia é justa? Viver é um dissabor ao final? Ou será que aquele homem estava errado? Sempre temos a inclinação em seguir a “sabedoria” dos mais velhos, e demorei a discordar do que escutara, mas minhas convicções foram mais fortes do que a sabedoria dos 96 anos de vida daquele homem desesperado e infeliz. Sim, porque quem passa seus dias numa contagem regressiva, na verdade já morreu para os sonhos que a vida nos oferta. Deve ser um penar viver esperando a morte, sofrer a cada minuto gasto pela vida. Pobre homem!
Não sou melhor do que aquele homem velho. Tenho de vez em quando, a sensação do tempo se esvair por entre meus dias, sem que eu saboreie cada minuto de vida como deveria ser. Ou será que aquele homem estava certo mesmo? Afinal, é sempre um lamento saber que não se é eterno, que o doce da vida vai acabar um dia, e para ele, esse dia parece mais próximo devido a sua idade.
Rendo-me ao otimismo! Triste é viver para esperar a morte. Por mais que seja latente a sensação de tempo passando, devemos buscar a alegria de viver, a beleza de cada dia como se fosse o único. Aprender todo dia, ensinar sempre que possível, deixar sementes do que se crer é se perpetuar, e viver. Cada dia é um presente ofertado para nós, cabe-nos fazer o que achamos justo com ele. Podemos chorar porque ele passará depressa, ou aproveitá-lo como podemos e sabemos “sem tempo de manteiga nos dentes” como dizia Pessoa.
Hoje, mas do que o tempo passando, tenho a certeza da beleza de cada dia a mim ofertado, e sei que devo ser feliz pelo ontem, pelo hoje e pelo possível amanhã. Não devo esperar pela morte, pois ela fatalmente virá. Celebrarei a vida enquanto ela estiver em mim, sem angustia, sem tristeza, apenas buscando a sabedoria escondida em cada dia vivido, sabedoria essa, que infelizmente não chegou para aquele pobre homem que há 96 anos, vive esperando pela sua morte.


Daniel Porto

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